segunda-feira, 29 de setembro de 2014

O mesmismo

Como seria de esperar, António Costa ganhou as primárias para a escolha do candidato do PS a Primeiro-ministro. Ao fim de uma campanha que não deixou saudades pelo deserto de ideias apresentado por cada candidato e depois de um autêntico lavar de roupa suja, o processo levou imenso tempo, desgastando o crédito do PS e dando algum alento a Passos Coelho e ao seu séquito de cortesãos. Penso que todo este espectáculo foi desnecessário e que haveria outras formas estatutárias para escolher o sucessor (ou continuador) de António José Seguro. Costa tinha toda a legitimidade de desejar o poder e de o disputar com quer que seja, até com o Secretário-geral em exercício, mas parece-me que a forma adoptada para o conseguir não foi a mais recomendada. E por mais que embeleze o seu discurso, fica sempre a ideia de que se aproveitou do trabalho realizado por Seguro, capitalizando agora em seu favor a estabilidade que aquele conseguiu, no seguimento do consulado de Sócrates. Com efeito, Seguro “aguentou o barco” e conseguiu que o PS, ao vencer as diversas eleições do seu mandato, não entrasse em colapso. E isto apesar da pesada herança recebida, traduzida em anos de austeridade com a aplicação do programa da Troika e de que, por ter sido apadrinhada pelo PS, Seguro não poderia abjurar, mesmo não concordando com os seus termos. Passado o tempo de aplicação do programa, com o descalabro anunciado e esperado do consulado de Passos Coelho, Costa, que sempre ambicionou a cadeira do poder, não poderia ter escolhido melhor momento para desafiar quem, de facto, não conseguia descolar significativamente dos liberais PSDistas, mesmo mantendo-se à sua frente.

E embora ganhando Costa por margem folgada, abriram-se feridas e divisões que apenas o “rebuçado” do poder distribuído com “magnanimidade” por alguns dos vencidos poderá colar os cacos partidários.

Pessoalmente, não espero grandes voos de Costa. Ele representa mais do mesmo e a sua pessoa está ligada aos mesmos do costume. É, o que poderemos dizer, o candidato do mesmismo. Tem virtudes, sem dúvida, é combativo, aguerrido, tem um discurso fácil (embora o tom de voz seja um pouco irritante) e fala uma linguagem que, sendo populista, vem tão bem maquilhada que acabamos por não perceber que o é. Na campanha, imitando Seguro, não apresentou uma única ideia nem referiu algum programa que galvanizasse a nação, ficando-se por generalidade cativantes que qualquer Zé da Esquina não teria dificuldade em formular. E na noite da vitória, ao contrário de Seguro, nunca mencionou o adversário o que, para quem critica ataques pessoais, não fica bem e é mau sinal. Para vingativo, já bem bastam algumas intervenções do actual inquilino de Belém. Seguro pecou porque, aparecendo com uma aura de alguém que traz um discurso novo (de facto, procurou apresentar-se como alguém disposto a praticar um novo tipo de política), não conseguiu capitalizar em seu favor algum descontentamento com a governação coelhista e foi um pouco macio nos debates parlamentares. Nesse aspecto, Costa dá de facto outras garantias. Mas chegará?

Embora Costa seja representante do mesmismo, espero que, chegando a Primeiro-ministro, consiga fazer melhor que o aplicador da austeridade, que conseguiu o milagre de transformar uma crise financeira numa crise económica. E que, de arrasto, leve o país a garantir a sobrevivência dos nossos descendentes, deixando-lhes se não um país mais próspero e mais justo, pelo menos as raízes germinadas desse país com que tanto sonhamos. Seria com todo o prazer que viria à praça dizer: enganei-me a respeito de Costa. Daqui a 4-5 anos (ou talvez antes) saberemos se os que votaram em Costa não lamentarão não o terem escrutinado mais. Alguém viu por aí o D. Sebastião?


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